segunda-feira, 14 de maio de 2012

Mãe Terna


 
Será que o Brasil evoluiu desde que foi descoberto? São 512 anos. Talvez, sim, pensa a professorinha.

Houve tempo em que a escravatura era coisa razoável... O tempo passou. A abolição, há 124 anos, nos aproxima mais dos outros mamíferos. Ou gente já viu um bicho escravizar o outro?

Evoluímos?

Mesmo que os animais não façam ideia de que o mundo já não é mercantil, é financeiro; deixou de ser elétrico, é eletrônico; deixou de ser saudável e agora é debilitante e engordativo, porque tudo se pode simular industrial e quimicamente falando: bifes que não são de carne, leites que não são de animais, sucos que não são de frutas, verduras em pílulas...

Animais não continuam comendo aquilo que foram programados para comer? Sim, desde que não estejam em zoológicos, ou em residências forçados às rações, aos perfumes, ao sedentarismo.





Evoluímos? Não incomoda irmos de encontro à autodestruição pela nova forma de educar filhos, ou melhor, de não educar?





Uma cachorrinha presa a um quintal prepara o filhote para a “vida”, e não deixa a encargo de ninguém os ensinamentos sobre os perigos. Põe-se à frente e rosna para que filhote não se aproxime da perigosa piscina, ou diante do vão entre o vidro e a grade que cerca a varanda de um prédio resgata o filhote com os dentes e o põe como que de castigo. Quem já observou sabe.

Mas, nós?

Evoluímos e concluímos que bons são os direitos; que a felicidade está do lado de fora dos nossos corpos; que esforço é sinônimo de burrice; e que toma lá só deve ser feito mediante algum dá cá.








Diante de alunos tão pequenos e indomáveis a professorinha pensa numa receita de maternidade para si.







Primeiro, é preciso estar tão pronta para ansiar por um filho que jamais durante os nove meses de gravidez me passe pela cabeça que o meu corpo há de sofrer flacidez.

Assim pronta, há que caprichar na escolha do grão. Que seja integral! Que seja um fornecedor disposto a dividir a criação da criaturinha que geraremos.

Isso resolvido, é bom preaquecer o forno na vontade idêntica e no amor entre os chefs da casa.







Se tudo correr bem, é promover o encontro dos ingredientes: grão integral, fermento, temperos e especiarias.






E já que só uma receita pessoal conhece as pitadas de afeto e de correção que se farão necessárias depois de retirado o produto do forno, é bom lembrar que o crescimento maior acontece do lado de fora.

E para que se ponha bonito por dentro como fora, e saudável, será preciso que dediquemos tempo e carinho, sem preguiça, sem mimos excessivos, e principalmente com força para dizer e manter os muitos “não” necessários.



Uma boa mãe mostra ao filho como conter-se e como defender-se; dá suporte, mas não facilita o que a criança deve fazer por si; ensina os direitos, mas exige que o rebento conheça e cumpra os deveres; não critica professores na frente dele, e o ensina a respeitá-los; não elogia brilhantismos genéticos naturais sem se esmerar em aplaudir mais os esforços e obstáculos vencidos; e capricha nos momentos de companhia, descanso e diversão.


A boa mãe não se deixa vencer por lágrimas e chantagens de uma criança, como sabe que o filho não é seu e que o mundo está carente de gente honesta, decente, comprometida e batalhadora.

Mãe é palavra que silencia a própria dor diante do sofrer de um filho trocando o gesto por aconchego.

Mãe é gotejar perfume de entranhas em brotos e flores, sem que se note a umidade entre cílios.

Mãe é anúncio, a escancarar corujices, sobre as crias, à turma do diz que me disse, amiga ou inimiga, sempre entre sorrisos de vitória.

Mãe é beijo e acalanto, é conforto na hora do pranto, e é, sobretudo, energia na aflição.


A mãe inesquecível não seria aquela para quem os filhos sempre estarão acima de si?, quis saber a pequena mestra.

A mãe, que merece levar esse nome, entre pesadelos ou sonhares diários, é aquela que, mesmo depois de tornada pó, se ergue a qualquer sopro de saudade, e do etéreo vem envolver em alívio aquele que lhe é grato, grata.


E, se a minha assim permanece, é essa a receita.












CURIOSIDADES:

* Crônica de Cecilia Ferreira (Folha da Região, Caderno Vida, em 13/05/2012). 

4 comentários:

  1. Reflito muito na mãe que não foi mãe... naquela que tudo projetou, mas deu errado... vegetou e não viveu... alimentou e passou fome de carinho, de afetos, de realizações. Viu seu filho à margem do mundo... É MÃE!
    Bj. Célia.

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  2. Concordo, sobre a mãe que amou e errou, é mãe adotando ou gestando. Mas a que só pensou em si, essa apenas pariu. E infelizmente, Célia, as há, cada vez mais frequentes... Obrigada por seus pensamentos. Saudades de seus comentários e de sua posição sempre caridosa. O mundo precisa de gente assim, como vc! Bjnhs

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  3. Em tuas letras sempre belas e pensantes, os meus olhos viajam,Cecília. Que bela reflexão a respeito do infinito amor materno,e de certos erros provenientes, obviamente, da falta de melhor orientação. Uma vez mais, adorei!

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  4. Erros que todas nós, entregues às pressões desse amor desmedido, estamos sujeitas, Antenor. Mas refletir sobre temas de ângulos diferentes é sempre bom! Abraço, amigo.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.