quinta-feira, 31 de maio de 2012

Namorico de FB



O que se curte fermenta,
o que fermenta embriaga,
o que embriaga vicia.

Você pode, por favor,
vir me curtir todo dia?








* Cecilia Ferreira - para adolescentes

terça-feira, 29 de maio de 2012

BANDEIRA























Medíocre esta mania
de dizer sempre a verdade.

A verdade é roupagem
que veste àquele a quem falta
total imaginação e,
embora esteja sempre
carregada de razão,
será o acessório inútil
do provável perdedor.

Medíocre esta mania.

À verdade falta cor
e o dom da pluralidade.
Descrente das formas várias
- sutis contornos intensos - 
daquele que não se verga,
perde o mistério atraente,
mas incoerente e denso,
que envolve a omissão.

Verdade, bandeira triste.
Não a carregues em riste
(minha grande companheira
hoje é a ilusão
- mas, postumamente,
acredite) - 
eu sei deste sofrimento.

Fui medíocre.
Longo tempo.



* Cecilia Ferreira.
* Publicado em Instantâneos - Inssurreição - ed. Masso OhnoDos poemasDos

Certezas




Minhas certezas às vezes são meu pão, outras minha pinga.


Essa é uma dor que dói, mas sempre dá samba.






Cecilia Ferreira

domingo, 27 de maio de 2012

Cândida e Carmesina


 
Nasceram. Carmesina, no corredor, bochechas vermelhas como corada por alguma culpa ancestral, ou futura; Cândida, já dentro da sala de parto, olhos rasos d’água, face suave e translúcida.


E pensar que cada passo dado desde muito antes de seus nascimentos foi o que as trouxe para exatamente essa existência...


Nelas, anos depois, ao mesmo tempo, ajustaram o corpete todo branco. Numa sala Cândida, na sala ao lado Carmesina, cada qual sendo abotoada no seu vestido rebordado e apedregulhado como se sob a chuva rebrilhassem pequenos e iridescentes granizos. As dezenas de botõezinhos, que vão sendo fechados, inevitavelmente aproxima a hora do altar. A soma de escolhas específicas veio conduzindo cada qual por sua vez àquele dia.


Haveria caminhos sem volta, tristezas em que arrependimentos não caberiam, e alegrias cujo peito apertado na roupagem de gala feminina mal poderia conter. Por ora, esse entendimento ia transbordando do olhar por sobre a face em pequenas luminosidades gêmeas dos cristais que cobriam os véus que nelas seriam acrescentados.


Gêmeas casando-se com gêmeos vestiam-se, para a mesma ocasião, sob véus representativos da pureza, mas que como quaisquer cortinas são névoas a impedir certezas sobre o futuro. Futuro que dependerá menos da consciência e mais da inteligência do agir, ou pode ser desejado, intuído, predeterminado?


Cada qual, em seu universo, a certa altura da vida decide-se a auxiliar um volume de pessoas que ao acaso lhes cruza o caminho, dado que se sentem abençoadas e sobejando.


Cândida, na direção, ao farol, diz ao rapaz que esmolava: “Se quiser serviço posso pagar por isso”; Carmesina, ao lado, indignada saca da bolsa centavos: “Quanto lhe custa? É só dar algumas moedinhas!”.


Assim, eventualmente discordando dos métodos seguem a vida, sempre amigas, sempre irmãs.


Os anos passam e felicidades e tristezas surgem e se vão. Ambas gerando boas famílias são amadas, bem vistas e queridas por todos com quem convivem. Por coincidência falecem na mesma data e, lado a lado, são abotoadas pela derradeira vez e veladas em salas contíguas no morgue da cidade de bom porte.


A velar Carmesina a própria família e amigos da sociedade. A velar Cândida também a família, a sociedade e pessoas que nem todos sabem dizer quem são. Ao longo de todo o dia postam-se ao lado de Cândida pequenos grupos: pai mãe e filho, ou filhos. São famílias que, completamente contritas, afligem-se em futuras pressentidas saudades e gestos de profunda gratidão.


Se companheiros de sociedade pouco sabem, um jornalista está ali para tentar escrever sobre Cândida. Veio a pedido de um dos presentes, dono de uma grande indústria de reciclagem.




Ninguém sabe que ele nasceu, e teve seu primeiro pequeno negócio, por ali. Postado sob a mais bela coroa, que em centenas de flores adorna todos os tons do reconhecimento, mas também cercada em louros, o pensamento do industrial pode ser lido na faixa em letras douradas: “Se a minha vida floresceu, os louros são seus Cândida. Logo também eu estarei com Deus”.


Se há ali gente para estranhar e maldizer à boca pequena a frase que homenageia a falecida, há o profissional da comunicação que, vendo mais uma família que a maioria estranha, aproxima-se deles à saída e anota fatos de mais uma história que o jeito de ser de Cândida produziu: “Eu? Pedia esmola num farol. Dona Cândida me perguntou se eu queria trabalho. Ofereceu serviços variados e eu aceitei podar um gramado. Ela então me conseguiu outro trabalho, e outro.

Providenciou um curso de jardinagem. Aceitei. O resto? Está aqui.”, diz o rapaz apontando orgulhoso para a bonita esposa e filhos impecáveis em seus uniformes da melhor escola da cidade que, depois de renderem a última homenagem à Cândida, partiriam no branco e reluzente veículo utilitário em que se lia: João do Farol, jardinagem e paisagismo.

 
Com o cartão de João na mão, para uma entrevista mais aprofundada, o escritor segue pensando em como convencer a família de Cândida a tornar públicas tais histórias que a ligam a tanta gente que venceu.


Na rua, em meio a anotações mais do que suficientes para construir uma bela biografia, o jornalista passa sem notar os mendigos diante da porta de saída da sala em que Carmesina é velada.

Os pedintes de sempre, com seus filhos maltrapilhos esfaimados e remelentos a pingar suas lágrimas de maus tratos, aguardam; choram menos a perda de sua benfeitora e mais esperam o auxílio de alguma bolsa (que certamente alguma alma caridosa qualquer acabará dando) para a pinga e o pão.




 
Curiosidades:
 
• Crônica de Cecília Ferreira publicada no jornal Folha da Região, em 27/05/12, coluna Porta-retratos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Hipocondríaco Amor



... e já que na última postagem falávamos de alcova e odores de travesseiros... Hoje vai um poeminha de entre quatro paredes, assim, meio maníaco (risos):







eu espero...

"Você vem?"

minha doença se agrava

enquanto eu aguardo estática

esse amor em conta-gotas,

em doses homeopáticas...



no corpo, louco, ora pulsa

quase um sambinha de breque:

cavaquinho, tamborins...

e de grave, o meu amado,

se transforma num moleque

e a canção, por ironia,

muda em valsa-corrupio:

violino, violoncelos...



então tremo, "Tenho frio!"

de onde vem este arrepio

que me percorre a coluna?

"Me feche aquela janela?"



e o latejo...

"De onde vem?"

é melhor alopatia...

"Tem um Isordil, meu bem?"

e se esconde a madrugada

por detrás do amanhecer...



e porque me vem

com cantigas de ninar?...

"Me embala meu bem-querer?"



mas... num copinho com água,

a novidade: "Florais?!

eu não quero adormecer,

quero você sempre e mais."


.....................

CURIOSIDADES:

* O remédio Isordil é quase o nome do meu marido, por isso a Alopatia é boa pra mim! (r***)

*Permitida a reprodução do trecho do meu livro "Vinhos", desde que citada esta autora (Cecilia Ferreira)

*Poema da série Mélicas, publicado pela Nankin editora, aliás, a capa do livro é Maravilhosa! Agradecimentos a Lilian Vidigal (lvidigal@liftdesign.com.br)














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segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sinceridade... (?)



Sim, há quem diga aquilo que pensa,

especialmente quando compensa.

Mãe Terna


 
Será que o Brasil evoluiu desde que foi descoberto? São 512 anos. Talvez, sim, pensa a professorinha.

Houve tempo em que a escravatura era coisa razoável... O tempo passou. A abolição, há 124 anos, nos aproxima mais dos outros mamíferos. Ou gente já viu um bicho escravizar o outro?

Evoluímos?

Mesmo que os animais não façam ideia de que o mundo já não é mercantil, é financeiro; deixou de ser elétrico, é eletrônico; deixou de ser saudável e agora é debilitante e engordativo, porque tudo se pode simular industrial e quimicamente falando: bifes que não são de carne, leites que não são de animais, sucos que não são de frutas, verduras em pílulas...

Animais não continuam comendo aquilo que foram programados para comer? Sim, desde que não estejam em zoológicos, ou em residências forçados às rações, aos perfumes, ao sedentarismo.





Evoluímos? Não incomoda irmos de encontro à autodestruição pela nova forma de educar filhos, ou melhor, de não educar?





Uma cachorrinha presa a um quintal prepara o filhote para a “vida”, e não deixa a encargo de ninguém os ensinamentos sobre os perigos. Põe-se à frente e rosna para que filhote não se aproxime da perigosa piscina, ou diante do vão entre o vidro e a grade que cerca a varanda de um prédio resgata o filhote com os dentes e o põe como que de castigo. Quem já observou sabe.

Mas, nós?

Evoluímos e concluímos que bons são os direitos; que a felicidade está do lado de fora dos nossos corpos; que esforço é sinônimo de burrice; e que toma lá só deve ser feito mediante algum dá cá.








Diante de alunos tão pequenos e indomáveis a professorinha pensa numa receita de maternidade para si.







Primeiro, é preciso estar tão pronta para ansiar por um filho que jamais durante os nove meses de gravidez me passe pela cabeça que o meu corpo há de sofrer flacidez.

Assim pronta, há que caprichar na escolha do grão. Que seja integral! Que seja um fornecedor disposto a dividir a criação da criaturinha que geraremos.

Isso resolvido, é bom preaquecer o forno na vontade idêntica e no amor entre os chefs da casa.







Se tudo correr bem, é promover o encontro dos ingredientes: grão integral, fermento, temperos e especiarias.






E já que só uma receita pessoal conhece as pitadas de afeto e de correção que se farão necessárias depois de retirado o produto do forno, é bom lembrar que o crescimento maior acontece do lado de fora.

E para que se ponha bonito por dentro como fora, e saudável, será preciso que dediquemos tempo e carinho, sem preguiça, sem mimos excessivos, e principalmente com força para dizer e manter os muitos “não” necessários.



Uma boa mãe mostra ao filho como conter-se e como defender-se; dá suporte, mas não facilita o que a criança deve fazer por si; ensina os direitos, mas exige que o rebento conheça e cumpra os deveres; não critica professores na frente dele, e o ensina a respeitá-los; não elogia brilhantismos genéticos naturais sem se esmerar em aplaudir mais os esforços e obstáculos vencidos; e capricha nos momentos de companhia, descanso e diversão.


A boa mãe não se deixa vencer por lágrimas e chantagens de uma criança, como sabe que o filho não é seu e que o mundo está carente de gente honesta, decente, comprometida e batalhadora.

Mãe é palavra que silencia a própria dor diante do sofrer de um filho trocando o gesto por aconchego.

Mãe é gotejar perfume de entranhas em brotos e flores, sem que se note a umidade entre cílios.

Mãe é anúncio, a escancarar corujices, sobre as crias, à turma do diz que me disse, amiga ou inimiga, sempre entre sorrisos de vitória.

Mãe é beijo e acalanto, é conforto na hora do pranto, e é, sobretudo, energia na aflição.


A mãe inesquecível não seria aquela para quem os filhos sempre estarão acima de si?, quis saber a pequena mestra.

A mãe, que merece levar esse nome, entre pesadelos ou sonhares diários, é aquela que, mesmo depois de tornada pó, se ergue a qualquer sopro de saudade, e do etéreo vem envolver em alívio aquele que lhe é grato, grata.


E, se a minha assim permanece, é essa a receita.












CURIOSIDADES:

* Crônica de Cecilia Ferreira (Folha da Região, Caderno Vida, em 13/05/2012). 

sábado, 12 de maio de 2012

Mãe


Eu sinto tanto
a sua falta.

Falta que rói,
falta que arde,
chega mansinha
não faz alarde,
é como brasa
do bem querer:
um vento sopra
ela renasce
e em minh’alma
se faz doer.

• Livro “Instantâneos”, autora Cecilia Ferreira, seleção “ressurreição”, ed. Massao Ohno.

Mãe


Eu sinto tanto
a sua falta.

Falta que rói,
falta que arde,
chega mansinha
não faz alarde,
é como brasa
do bem querer:
um vento sopra
ela renasce
e em minh’alma
se faz doer.

• Livro “Instantâneos”, autora Cecilia Ferreira, seleção “ressurreição”, ed. Massao Ohno.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Navalha na Mater

 

Não precisou olhar na folhinha para saber o dia. Ia visitar o filho. A data? Domingo, 13 de maio. Por coincidência dia das mães, e também da abolição da escravatura. Mas o que a emocionava era o presente.

Dia 13... Que lhe importava a abolição? Era branca; o marido, que foi-se embora com outra, branco; e o filho único era branco também. Os problemas e necessidades do mundo que se danassem.









Tudo o que importava na vida era aquele garoto, hoje rapaz.








Foi para defendê-lo que se desentendeu com a sogra logo no início do casamento. Aquela mulher não via que o menino pequeno bateu a porta na cara da velha sem querer? Ele só se defendia da rabugenta. E, afinal, mesmo que a portada tenha lhe quebrado o nariz, ela não viu que ele fez sem querer? A criança só queria fugir do castigo injusto. Ninguém mandou a mulher turrona e teimosa querer botar o neto de castigo. Ele só estava expressando a veia artística. Acusá-lo de destruir os seus batons, os sofás, as paredes? Ora! Justo ele que chorava com as pequenas injustiças, ele que era tão delicado e sensível.



Sensível e inteligente! Nem gostava de lembrar daquela mestra despreparada que o repreendeu na frente dos coleguinhas por não fazer as lições. Afinal a criança tem direitos! Os deveres são dos professores! Claro que aquela incapaz não podia ver o quanto o seu filhote estava à frente da turma.




Lições para ele eram perda de tempo!


Ele aprendia muito mais com as próprias experiências, estava sempre inventando novidades. Não tinha tempo para gastar com bobagens!

Foi muito chato ter que ir à escola e passar uma descompostura na diretora: “Muito fácil, eu pago caro e vocês o mandam para casa? Vá enquadrar a tal que quis suspender o meu filhinho!”

E ruim mesmo foi quando o filho telefonou-lhe a cobrar de um orelhão dizendo que não se preocupasse porque estava com amigos. Ainda bem que ele era bom de amizades!

Imagine, a diretora o mandara varrer o pátio! Que humilhação! Claro que tinha que fugir da escola!

Como assim? Naquele dia, enfurecida, enfiou o dedo na cara da diretora. Ainda ia meter nela um processo por abuso infantil! Poxa! Só o dinheiro que gastava lá num mês dava pra pagar faixina para um ano!

Mas, o filho ainda ia ser reconhecido! Sempre o viu como um grande cientista. Tinha uma curiosidade e uma atitude investigativa que só ele. Sabia que até a ex-melhor-amiga ainda se desculparia!

Que raiva quando a amiga telefonou dizendo que nunca mais queria ver o seu garotinho na casa dela. Na porta viu a colega inchada de chorar abrir a porta, dizendo impropérios absurdos sobre o seu menino, e pondo no seus braços, como se fosse um troféu, Mimi, a gatinha de estimação, mortinha por espetos como em tourada.

E o que mais a revoltou foi que a amiga se recusou a entender as razões do filho. Então jurou ali, na frente dos meninos, que a colega jamais voltaria a vê-los. E ofendida, abraçando o próprio rebento a quem ia cobrindo de carinho e razão, foi-se resmungando: “Mulherzinha mais à toa!”

Escovou os cabelos e as cinzas do passado. Com pincel coloriu bochechas e alegrias do presente. Hoje, dia das mães, ela presentearia o filho mais uma vez!

Fez com as próprias mãos o bolo que o filho mais gostava.


Reconhecia pela primeira vez , com certo medo, que nunca soubera dizer não para o querido, carne de sua carne. E não era por preguiça, como escutara maldosos dizerem, nem por comodismo... Ninguém mais no mundo enxergava o verdadeiro amor?

Não importa!

O que vale é a coragem que a faz levar para o presídio a demonstração desse afeto.

Se o filho é branco e rico, por que aquela escravidão?

Ele precisa se ver livre logo! Por isso fez o presente que o filho pede há semanas!



Misturado ao recheio preferido,

em cabo de madrepérola, segue a afiadíssima navalha que foi do avô.


CURIOSIDADES:

* Este artigo foi escrito para ser publicado no jornal Folha da Região no dia 13 de maio de 2012, porém foi descartado pela autora que acredita que no todo do blog as suas ideias não corram risco de ser mal interpretadas.

* Esta autora crê na igualdade entre os homens, e na educação rígida e profundamente amorosa e dedicada como solução sine qua non para todos os problemas do mundo.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

ARREPENDIMENTO



















Busco absolvição
sem explicação aparente.
Caminhos que condenei
sigo agora intransigente.

Te dou exemplos.
Digo em sorrisos
meias verdades
(qual quem não mente)
com toques leves,
porém precisos,
de minhas mãos
como incitando
falsos amigos
a concederem,
a mim, perdão.

Fujo das brigas
em que palavras
estimulantes
(em tom mais quente)
voem cadentes
de acusação.

Sou mais atenta
às vaidades
que tanto agradam
aos companheiros.

Estou mudada.

Foi a idade?

Sabe-se lá...
Realidade
de ex-combatente
que enfim rejeita
o ter morrido
e não sido aceita?





*Curiosidades: Poema publicado em Instantâneos, capt Redenção, ed.Massao Ohno