segunda-feira, 7 de maio de 2012

Navalha na Mater

 

Não precisou olhar na folhinha para saber o dia. Ia visitar o filho. A data? Domingo, 13 de maio. Por coincidência dia das mães, e também da abolição da escravatura. Mas o que a emocionava era o presente.

Dia 13... Que lhe importava a abolição? Era branca; o marido, que foi-se embora com outra, branco; e o filho único era branco também. Os problemas e necessidades do mundo que se danassem.









Tudo o que importava na vida era aquele garoto, hoje rapaz.








Foi para defendê-lo que se desentendeu com a sogra logo no início do casamento. Aquela mulher não via que o menino pequeno bateu a porta na cara da velha sem querer? Ele só se defendia da rabugenta. E, afinal, mesmo que a portada tenha lhe quebrado o nariz, ela não viu que ele fez sem querer? A criança só queria fugir do castigo injusto. Ninguém mandou a mulher turrona e teimosa querer botar o neto de castigo. Ele só estava expressando a veia artística. Acusá-lo de destruir os seus batons, os sofás, as paredes? Ora! Justo ele que chorava com as pequenas injustiças, ele que era tão delicado e sensível.



Sensível e inteligente! Nem gostava de lembrar daquela mestra despreparada que o repreendeu na frente dos coleguinhas por não fazer as lições. Afinal a criança tem direitos! Os deveres são dos professores! Claro que aquela incapaz não podia ver o quanto o seu filhote estava à frente da turma.




Lições para ele eram perda de tempo!


Ele aprendia muito mais com as próprias experiências, estava sempre inventando novidades. Não tinha tempo para gastar com bobagens!

Foi muito chato ter que ir à escola e passar uma descompostura na diretora: “Muito fácil, eu pago caro e vocês o mandam para casa? Vá enquadrar a tal que quis suspender o meu filhinho!”

E ruim mesmo foi quando o filho telefonou-lhe a cobrar de um orelhão dizendo que não se preocupasse porque estava com amigos. Ainda bem que ele era bom de amizades!

Imagine, a diretora o mandara varrer o pátio! Que humilhação! Claro que tinha que fugir da escola!

Como assim? Naquele dia, enfurecida, enfiou o dedo na cara da diretora. Ainda ia meter nela um processo por abuso infantil! Poxa! Só o dinheiro que gastava lá num mês dava pra pagar faixina para um ano!

Mas, o filho ainda ia ser reconhecido! Sempre o viu como um grande cientista. Tinha uma curiosidade e uma atitude investigativa que só ele. Sabia que até a ex-melhor-amiga ainda se desculparia!

Que raiva quando a amiga telefonou dizendo que nunca mais queria ver o seu garotinho na casa dela. Na porta viu a colega inchada de chorar abrir a porta, dizendo impropérios absurdos sobre o seu menino, e pondo no seus braços, como se fosse um troféu, Mimi, a gatinha de estimação, mortinha por espetos como em tourada.

E o que mais a revoltou foi que a amiga se recusou a entender as razões do filho. Então jurou ali, na frente dos meninos, que a colega jamais voltaria a vê-los. E ofendida, abraçando o próprio rebento a quem ia cobrindo de carinho e razão, foi-se resmungando: “Mulherzinha mais à toa!”

Escovou os cabelos e as cinzas do passado. Com pincel coloriu bochechas e alegrias do presente. Hoje, dia das mães, ela presentearia o filho mais uma vez!

Fez com as próprias mãos o bolo que o filho mais gostava.


Reconhecia pela primeira vez , com certo medo, que nunca soubera dizer não para o querido, carne de sua carne. E não era por preguiça, como escutara maldosos dizerem, nem por comodismo... Ninguém mais no mundo enxergava o verdadeiro amor?

Não importa!

O que vale é a coragem que a faz levar para o presídio a demonstração desse afeto.

Se o filho é branco e rico, por que aquela escravidão?

Ele precisa se ver livre logo! Por isso fez o presente que o filho pede há semanas!



Misturado ao recheio preferido,

em cabo de madrepérola, segue a afiadíssima navalha que foi do avô.


CURIOSIDADES:

* Este artigo foi escrito para ser publicado no jornal Folha da Região no dia 13 de maio de 2012, porém foi descartado pela autora que acredita que no todo do blog as suas ideias não corram risco de ser mal interpretadas.

* Esta autora crê na igualdade entre os homens, e na educação rígida e profundamente amorosa e dedicada como solução sine qua non para todos os problemas do mundo.