domingo, 8 de julho de 2012

Pátria Hospedeira

 

Na tela o pintor finaliza a obra. Quis pintar a mãe. Fêmea de formas generosas que gera, pare filhos, e os tem sustentado sem miséria por séculos.


Corpo e terra (como qualquer mãe que se doa na criação e sustentação) essa que ele pinta nas cores do Brasil é a Pátria. Na tela dividida em duas, comparando, o artista desenha outra terra também mãe: avó. No mundo há muitas, mas escolheu uma por ser o seu lar e outro o de seus pais.


O jovem desenhista já ouviu falar que a obra, dona de seu destino, comanda as mãos do criador. Mas é a primeira vez que sente esse manifestar.


Independente de si, à medida que pinta a terra nativa na exuberância verde, efusão solar, e pulmão azul que naturalmente saciam sedes e fomes, a arte vem a enrubescer ante efervescências gulosas e ancestrais como nunca antes neste país.







Mesmo estando a Mater acostumada a sugadores, a pintura cresce rumo à visão do inferno. Não ardente como o de Dante, mas rubro como dantes no quartel de Abrantes.









Filhos adultos, com algum poder, apenas se alimentam, sem produzir. Esses desnaturados, que em nada auxiliam, fingem ignorar sofrimentos de irmãos em países vizinhos, mas reconhecem de longe os comparsas. E é só a eles que protegem na intenção de manutenção do poder ávido e doentio de consumir as próprias mães.

Pasmo ante a resistência das mãos que se recusam a pintar o desejado quadro de beleza e equilíbrio o artista recorda: estudar e aprender já foram obrigações do aluno e não uma falácia pública.

Época em que homens de verdade queriam fugir do falso conhecimento e da herança da manutenção do analfabetismo, essa sim maldita.


Lembra-se da revolta sentida quando um professor ensinou que a evolução do outro país era maior porque os homens de uma e outra localidade eram diferentes.


Já traços torturados acolá indicam que a pátria avó (berço de cento e um homens alfabetizados que navegaram em busca de fincar raízes e gerar o próprio futuro como nação) tinha o desejo de preservar a própria história e filhos; e pela leitura e entendimento da Bíblia alfabetiza até os escravos.

Já as pinceladas aquém denunciam a pátria mãe contaminada por dois degredados, sem instrução, sem anseios maiores do que engravidar índias ao acaso enquanto subsistem, sujeitos cujas pegadas nada históricas se seguem do invasor limitado ao luxo de extrair riquezas desta terra por anos.


Homens de lá e de cá se encaixam no que se pode aprender em aulas de história, e aqui e ali a pintura demonstra-os também na biologia: no berço dos pais do artista se desenham milhares de organismos simbióticos, mas no berço Brasil apontam para o crescimento desordenado de maioria parasitária.



Na natureza as relações simbióticas são boas, um organismo que depende do outro para viver pode gerar benefícios mútuos, mesmo em proporções diversas.






Já o efeito de um parasita no hospedeiro é sempre de abuso. Abuso que pode ser inócuo e, se não afetar as funções vitais o incômodo será como o de dois pequenos piolhos sobre o lombo de um urso, levemente irritante.


Mas diante do não conter a parasitose que se alastra pelo quadro o artista plástico questiona: Teriam aqueles primeiros sugadores de Brasil instalado vírus e bactérias que insistem em se revelar?


Não há nova camada de tinta que esconda o defecar das gulas a gotejar, antropófagas, ou o visco de suas babas vermelhas e infecciosas, nem terebintina que retire os humores malcheirosos de corpos gananciosos que virais retransmitem falsas alegrias em banquetes de orgias canibais.



Numa união cancerígena e aviltante, saltam na tela os que se julgam melhores e mais espertos do que outros, sem noção do quanto brindam à própria incompetência.


À purulenta febre rubra, publicamente instalada pela ignorância incomum, tornada legal e comum por políticas incorretas, a mãe Brasil quer deixar recado.


Nas pústulas infeccionadas (que grassam sobre o corpo-tela um dia perfeito) a Pátria faz saltar aos vermes (para que – talvez – possam entender) que sem um mínimo de retorno a lenta morte da pátria hospedeira, ainda que gigante e amorosa, será a mesma lenta e dolorosa morte de cada um dos seus hóspedes.


Curiosidades:

* Crônica de Cecilia Ferreira publicada no Jornal a Folha da Região em 08/07/12

15 comentários:

  1. cecilia - lindo texto você publicou. parabens. gosto disso. seu espaço é riquíssimo. lamarque

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    1. Obrigada Lamarque, sua leitura e comentário me motivam. Abraço

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  3. O remédio é doloroso.
    As pústulas só com "Semancol-1 gr" e "Educol-15 gr" duas vezes a cada 15 minutos.
    Muitos não conseguem ingerir é por demais amargo.
    Aqueles que conseguem, desenvolvem efeitos colaterais. Imaginam um lugar onde todos são iguais e onde o sonho se torna real. Não um país de todos, mas uma pátria! Pária?
    Abração! Muito bom o post!

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  4. Voti, cobra!!!!!!!! Descobri que um laboratório desenvolveu um remédio, similar, lógico, só para me sacanear, é uma tal de Ritalina. Fulminante só eu: Rita,heroína? Ó! é só beber que arrebita, o que eu não sei, é só tomar uma dose, não da tinta, nem da cal, talvez calmante. Ante tal delírio, dou a rosa, sem espinhos, para que com ela enfeitem a idolatrada Salve salve, eita, mãe gentil, que se deita para o lírio, que sem nada na libido, libertinagem aprovada às margens plácidas, sujeito de hino de penhor. Hã? Heróico? quem mesmo? Depois dessa, só mesmo a Ritalina!

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    1. Quem, cobra??? Quem cobra, ou quem paga caro por tanta ritalina tomada pra se pensar que se pode não ter medo de ser feliz sobre a infelicidade da naçàão?

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  5. A Pátria hospeda, sobretudo, as reconfortantes nuances do desenhista em suas formas e estilos poéticos, que exteriorizam os sentimentos em protestos mudos.
    Vir aqui é sempre comovente para mim, Cecília.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.