domingo, 22 de julho de 2012

AMOROSO AMANHÃ

 
A menina revira escombros para encontrar algo que renda Potocas-Douradas.

Muitas Potocas podem comprar um cargo de Auxiliar-de-Caça-Eleitor.


Ao invés disso descobre um livro! Justo ela, uma Periférica que ainda sabe ler. Que sorte!


Eduína oculta a preciosidade sob o incômodo vestido ecoplástico, e a sensação do macio papel, na pele, é incrível para quem nasceu na Orla-Olvidável.



Esconde-o na esperança de não ser pega.


E, porque o sistema carcerário é oneroso para o bolso do Amoroso-Poder, sequestrar, traficar e assassinar são Crimes-Passe-Livre após Demonstração-Pública-de-Desagravo.



Mas saber ler, para um morador da Orla, é crime inafiançável, inapelável e de detenção perpétua, já que todo livro pertence ao Museu-Hirsuto-Nacgional, onde a democracia, mediante licença, permite consultas somente aos Capacitados-pelo-Comitê-de-Alta-Ingerência-Pátria.


Eduína sabe que houve um mundo melhor e mais livre, mesmo que o Reformatório-Educacional-do-Quinhão-Local diga que aquilo é falácia e mito criado pelas já destruídas CiasDFs-e-Outras-Inferioridades-Revolucionárias.

 
Se o Museu-Hirsuto não é para todos, um Olvidável tem o dever de frequentar o Recreativo-Sorria-Já.



Os Recreativos, não possuem livros ou obras de arte, mas obrigam semanalmente ao esporte, e uma vez ao mês apresentam Amorosos-Famosos entoando canções de 4 compassos e refrão de até 8 palavras para honra e glória do Amoroso-Poder, com direito a um doce, show de fogos e uma bexiga colorida! Que alegria!





Mas a garota prefere crer que há opções.






Vendo tanto escombro e ruínas ao seu redor ela entende que são destroços dos tais sistemas desativados, indústrias vilipendiadas e outras infraestruturas. E aí crê que a água já jorrou por canos aquecidos, que houve luz noturna e que som e imagem podem ter caminhado pelo ar.


Descendente dos estudiosos condenados a olvidar, Eduína vive numa Oca-Comunitária de Taba-Periférica para onde se transferiu todo aquele que não aceitou o cabresto da Nova-Amorosa-Câmara (especializada em disfarçar por meio de projetos a falta de investimento real, mais conhecida como Dema-Gogo-Social-Assembleia).



Foram os Dema-Gogos que criaram a Amorosa-Universidade-Cotista-Pão-e-Circo, porque se fizessem justiça salarial aos mestres e dessem dignidade física ao Ensino-Público-Amoroso desde a infância a ponto de os alunos concorrerem com os estudantes das escolas pagas, quem cobriria do 14º ao 18º salário e outros tantos benefícios incríveis conquistados a duras Penas-Plenárias?























A solução?

Cotas-Universitárias para os incapacitáveis pelo Amoroso-Sistema-de-Ensino-Básico-Fundamentado.


Professores insatisfeitos e alunos deseducados proibidos de fazer correções, ou sofrer reprimendas, desmotivariam os metidinhos a estudiosos.


E, só para garantir determinaram: aquele que estudar mais e parecer saber mais deve ser apontado e acusado de Exibido-Portador-de-Preconceito-Intelectual.























Medidas simples sempre podem acovardar pais de alunos mais exigentes.

Edu sabe, a Universidade nem é cotista, já que todo eleitor não ligado ao governo é Despreparadamente-Igual-a-Quase-Todos fazendo a maioria desistir cedo do estudo não recompensado.

Enquanto ela, que nem pertence aos Quase-Todos, suspira na certeza de que estudar legalmente não é para o seu bico.


Sua sorte é a Resistência que ensina melhor e furtivamente os Olvidáveis-Inconformados.









Assim, puxa o decote em V de sua ecoveste cobrindo a cabeça por inteiro e arrisca-se a ler baixinho o título do livro: “Bolsa-Estudo-Exterior-para-Quase-Todo-Estudante-Descendente-do-Amoroso-Poder-Público (Obrigações e Direitos)”.














É então que sente! Está imobilizada! Serão os Amorosos-Fiscais-Censuradores-da-Resistência-Cultural? Em pânico sufoca e desmaia.


Eduína abre os olhos doloridos pela febre.


Percebe: está em casa e o ano ainda é 2012. Que bom!



Em seu país os demagogos incapazes de raciocínio, gananciosos e desonestos são tão poucos que nunca poderão se somar para levar à ruína intelectual e econômica aqueles que pagam por seus tão fartos salários e benefícios...

Ou podem?
 
 
 
 
* Cecilia Ferreira, jornalista, membro da UBE e da Academia Araçatubense de Letras.

6 comentários:

Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.