domingo, 10 de junho de 2012

O COLECIONADOR DE EXPRESSÕES.









Naquela pequena cidade Prudêncio era o dono da única indústria de grande porte.


Era bom remunerador, fornecia empregos, gerava receita, pagava impostos e fazia a cidadezinha brasileira ser diferente da maioria: o município dava lucro ao país.




- Coisa rara, afirma Joaquim Visitante, deve dar briga por emprego!


- Cidade industrial dando lucro, sabe como é, responde o morador João Contador. Não sou economista, nem sindicalista, e desconheço a razão do aumento na oferta de empregos. Mas o crescimento, ainda que pequeno, tem sido contínuo e a receita da empresa impressiona!

Ambos estão numa missa de sétimo dia do falecido Prudêncio, um idoso muito ativo e trabalhador, producente até seu último dia, que parece querido pelas famílias dos funcionários: a igreja e praça defronte efervescem com os que querem solidarizar.

João segreda a Joaquim:

- É, mas o cara era muito excêntrico! Colecionava expressões.

- Como assim?, pergunta Joaquim.



- As paredes e aparadores da casa estão repletos de porta-retratos de homens em variadas expressões, responde o amigo.


- Eta, João, por quê?





- Ah, parece que o Prudêncio era maníaco. Registrava homens fazendo caras inteligentes diante de idiotices.

- Como?

- Aos domingos o industrial pegava seu jatinho e saia pelo Brasil. Ia assistir em bar qualquer àquele programa noturno e global. Ao transmitirem matérias que ele pensava encomendadas por interesses estranhos, o Prudêncio fotografava algum telespectador com cara de sábio diante da besteira. Debaixo da foto registrava data e reportagem.

- Não entendi, João.


- Tipo assim: foto de um engravatado fazendo ar brilhante (um sujeito que nunca viu uma galinha, a não ser frita no prato). E, sob a foto, registrado: “Homem que acredita nos interesses de outros países / Matéria: ‘É preciso acabar com o gado. O pum do gado causa o aquecimento global’”. Entendeu Joaquim?




- E pode mesmo causar, João?






- Uai, Joaquim, o que pode ser mais agressivo do que os gases soltos no ar dia e noite pelas gigantes indústrias ocidentais e orientais? Daquelas que fabricam armas, tanques, navios e aviões de guerra? Por que seria o pum do gado o vilão da humanidade? O homem do campo ia ter que viver com tampão nas narinas!




- Mas, por que alguém pagaria por tal reportagem, João?





- Sabe o chefe de propaganda do Hitler? O que convenceu os alemães de que Hitler podia matar judeus e todos os que não fossem puros alemães?

- O tal de Goebbels, que dizia: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”?
















- Naquele tempo mal existia cinema e Hitler foi transformado num homem bonzinho, quase um Papai Noel! Imagine tais questões reproduzidas pela Tv e pela internet para milhões de desinformados?










- Entendi, João: eles defendem tudo o que produzem e atacam o pouco que produzimos. Defendem-se como “raça” superior e o brasileiro sem estudo, ou ganancioso, acredita. Foi aí que Prudêncio morreu de raiva? Ao ver a última reportagem encomendada? Porque dizem que morreu no dia em que acusaram os policiais ‘malvados’ de virarem certa câmera. O interessante é que não mostraram nenhum policial se dirigindo para a câmera, nem a mão dele ‘virando ela’, nem tascando pedrada. Querem que os traficantes, transferidos pra São Paulo, possam exercer o seu direito de ameaçar, assaltar, matar, desde que continuem a comprar a peso de ouro o armamento pesado que produzem, não é mesmo?




- Por aí, né Joaquim? Imagine, se o policial tivesse mesmo virado a câmera? ‘Tava’ tudo sendo filmado! A câmera tava gravando, caramba! Ia ter lá a cara dele, a mão dele, tudo! Ia sair na mídia mundial! Ia ser escorraçado na capa da Seja!

- Isso é! Foi dessa mentira que o Prudêncio morreu de raiva domingo passado?

- Bom, morreu domingo à noite e de raiva. Sim. Mas não viajou naquele final de semana. Ficou em casa reunido com os filhos.

- E...? Pô, fala João!

- É que o Prudêncio, que dividira igualmente as cotas da empresa com seus seis filhos adultos, foi informado por eles da venda da própria empresa.

- Acho que eu também morreria de susto. Dá lucro, vender por quê?

- Disseram que cansaram das lutas de classe forçadas e aceitas como normais e que cansaram de a mídia tendenciosa os apontar como vilões da atualidade brasileira.

- E foi então que o Prudêncio morreu!



- Não, mas quando os filhos informaram que iriam investir o dinheiro da venda da fábrica nas próprias candidaturas a deputados e senadores (para viverem para sempre felizes na dependência do Estado)foi aí que Prudêncio morreu de raiva por não poder fotografar-se!





• Artigo de Cecilia Ferreira publicado em 10/06/2012 no jornalFolha da região, coluna pessoal PORTA-RETRATOS.

6 comentários:

  1. Muito boooooooooommmmmmm kkkk !

    Parabéns, Cissa, brilhante, sempre, para a alegria e o consolo de todos nós.

    Beijo grande, Flor.

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    1. Sua leitura e comentário amigo são aditivos para que eu permaneça tentando. Obrigada, querida.

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  2. Meus cumprimentos, Cecília Maria, por esta bela e hilariante crônica. Quanto a mim, continuo sendo com prazer, um inveterado colecionador das suas doces nuances literárias.
    Tenha um dia feliz!

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    1. Nada como saber-nos lidos. O dia será feliz! Abraço,amigo.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.