quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tico-tico topetudo topatudo


Você vai dizer, junho ficou lá atrás! Mas há associações inevitáveis: cheiros e épocas, comportamentos e lembranças...

Ah, que saudades da Festa da Pipoca. Em São Paulo num tradicional colégio, era a festa mais esperada do inverno. Meninas de uniforme de gala, ou em roupas de caipirinha; meninos, que só naquele dia podiam estar na escola, sobrecarregando a Cadeia e o Correio Elegante.

Ali aprendemos tudo sobre voluntariado: aceitação, reconhecimento pelo que temos – pois em relação aos necessitados qualquer posse é muita – e doação. Ali ficamos marcadas, condenadas a crer nas boas intenções alheias. Só víamos o bem e desejávamos crescer logo para imitar mães e irmãs no trabalho voluntário da quermesse pelo bem comum. Nem percebíamos o treinamento para servir. Topávamos tudo pela alegria da comemoração.

A relação entre os que têm e os que não têm nunca pareceu justa, mas é simbiônica, benefícios de mão dupla; eventualmente em proporções diversas, mas já é algum bem, em que sempre se pode melhorar.

Se simbiose entre pessoas figurativamente é associação em que todos os envolvidos saem ganhando, no relacionamento parasitário, o parasito humano querendo ganhar sozinho, recebe apelido figurativo: chupim.



Da natureza, infelizmente, os homens não herdaram apenas os bons exemplos.



Se já ouviu falar do chupim sabe que o pássaro interessadamente põe seus ovos no ninho do tico-tico. O chupinzinho, tão bonitinho, chocado e alimentado pela família tico-tico, além de não fornecer nada em troca, tem por hábito matar os irmãos que adotou para ficar com a parte deles.




Outras vezes, faz talvez pior, fura os olhinhos dos tico-ticos; ato pensando que de forma mais longa e dolorosa tira a oportunidade de sobrevivência dos pequeninos. E os pais pássaros, iludidos, seguem cuidando do nascido velhaco.


Por que o chupim elege o ninho dos tico-ticos? Talvez porque os últimos tenham frequentado colégios como o da Festa da Pipoca. Claro que a última frase é pura figura de linguagem, coisas da língua e de seus por trás das letras, o verdadeiro sentido está nas entrelinhas.

Pejorativamente chama-se coisa ou pessoa pequenina de tico-tico.




Mas deixemos metáforas, alegorias, comparações por símile e possíveis conotações para os mestres, que nossa arte é outra. E,pela Lei das compensações, o chupim, fora do ninho, se alimentará somente dos restos nas fezes dos bois. A natureza é sábia.


Voltando ao tico-tico, ele é comparável a certos humanos que nascem para sempre incapazes de enxergar os chupins em sua vida, embora muitas vezes tardiamente percebam o abuso. Por isto estas saudades da festa de inverno da infância (invadindo o verão). Tempo em que a certeza de que o mundo era bom e fé na evolução espiritual, moral e ética de todos os homens parecia cabível.


Ainda assim, nós, filhos de Deus, cidadãos comuns, seguiremos esta eterna vocação de crentes (chupins diriam rindo (estão dizendo): “Vocação pra créus, seus idiotas, será créu por todo lado!”). Porque não há nada que gente de fé não faça de boa vontade, sem lucro ou garantia de aplauso, apenas porque está em sua natureza. Natureza de Tico-tico, com orgulho e maiúscula, claro, porque Gente-tico-tico, como o bicho, pode ter fé, mas tem topete.

CURIOSIDADES:

Essa crônica foi escrita em 2009 e publicada na Folha da Região em setembro daquele ano.
A atualidade de certos assuntos me incomoda.

3 comentários:

  1. Oi querida,
    tem um selinho pra vc no meu blog.
    bjs

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  2. Perfeito!

    Acho que passarei a assinar Sal-Tico-tico...

    O que você acha?

    Beijos mil

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  3. Sal, não lhe falta, topete, ou coração. Você é P/A. E espero que as cópias dessa, tico-tico, obra de arte de Deus, possam ser milhares. Parabéns pelo fantástico e honesto trabalho que lhe foi usurpado.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.