domingo, 19 de junho de 2011

Amada Língua (Portuguesa?)

Amada língua, é provável que eu nunca lhe desvende a alma e reconheça todos os segredos.

Mas, enquanto sua existência é palpável em tantas particularidades e idiossincrasias, permanece a sonora possibilidade da busca, subsiste o descortinar os mistérios e os milagres.

Tenuidades de noiva gentil e grácil que, encoberta por véu, a realidade esconde.



Beleza translúcida e sutil em mil e muitas combinações.

Qualquer criança pressente isso, e, se tem sensibilidade, persegue o secreto cultivar.

Nem todos nasceram bailarinos,


nem por isso proíbe-se o uso da sapatilha de ponta,

só alguns brilham por sobre o gelo, e ninguém subtrai para sempre a fina lâmina dos patins,


poucos são os craques no futebol, nem assim se extingue a rede.


É preciso que o homem deixe de pensar que tudo lhe tem que ser fácil, sob pena de desencantar-se com a própria vida.





Nasceu a língua latina em antiga região italiana: o Lácio, desta derivou a nossa. Sigo perguntando a mim mesma se apenas sossegarão ante o extermínio da flor.


Cantou Bilac: Última flor do Lácio, inculta e bela, / És, a um tempo, esplendor e sepultura: /Ouro nativo, que na ganga impura /A bruta mina entre os cascalhos vela...
Não lhes basta não cultivá-la?


Não a cultivam, nem lhe desejam poda, que poda amplia, enflora, seduz.

Antes lhe amputam sonoridades e significados para que, ambígua e simplificada, claudique rumo à inoperância em prol de suposto entendimento globalizante.

Sepultura da compreensão a favor da imprecisão.


Derradeira flor do Lácio. Brotadura última do latim.

Se a flor é o órgão de reprodução das plantas superiores... Talvez desejem-na cacto.


É Bilac a revirar-se: Última cactácea árida, arrevesada e espinhosa do Lácio, / aço artificialmente cultivado e equívoco, que em genuína incubadeira transgênica... (perdoe-me o poeta, mas são os tempos).


Antes sob intempéries, pois em sucessivos outonos e primaveras florescerias vigorosa, desassombrada, selvagem – porém domável, notável, essencial.





Reconheçamos a ascendência e sejamos reconhecidos pela hereditariedade.




Aconteçamos em nossa tropicalidade, musicalidade, gingado e colorido no que tiver que ser. Não há incompatibilidade que o respeito pelo tradicional não vença, se houver um mínimo de amor.



Se é nossa a língua, mesmo inculta, ao sabor de ventos e sons de tempestade, aceitemos o seu original esplendor.


Curiosidades:

• O artigo acima foi escrito e publicado em maio de 2007, antes de a reforma ortográfica subtrair o trema, certa acentuação e o direito de hifenizar novos sentidos ao agregar palavras.

• Sou totalmente favorável às simplificações que o uso constante da língua impõe e que a internet por si imporá. Totalmente contrária, como contrária fui ao AI5, que se imponha governamentalmente de cima para baixo a forma correta da escrita.

• Sou totalmente avessa aos ditames dos digníssimos senhores que se assentam na ABL que, assinaram (assassinaram?) gráficas mudanças, sob augúrios de anseios políticos. Desejos que vieram a redundar em não necessidade de saber-se falar ou sequer escrevermos corretamente coisa alguma, em cartilha esparramada pelo MEC, sob pena de ser o cidadão, correto e atento à correção, um sujeito a ser levado ao calabouço por discriminação linguística.

• Ricardo Semler, o brilhante nouveaux rich desse último governo, escreveu artigo condenando a “Última flor do LAÇO” (sic) às burocracias de comissões paritárias ( ? Jesus! Nem os senhores da ABL terão direito a assinar o que agora os mais iguais que outros querem propor como língua!).

• Sinais dos tempos prometidos no Apocalise e conhecido desde o Gênesis?

• Sobre o tema, diz a Palavra: “Então desceu o Senhor: Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua (...); e, agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos ali e confundamos a sua língua, para que não entenda um a língua do outro. Assim, o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra” Gênesis 11:6-8

2 comentários:

  1. Como não bastasse a descrição irretocável, a diva das crônicas ainda ornamenta o seu pensar com a poesia de Olavo Bilac. É uma obra prima!

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  2. Vamos e venhamos, alguns acentos são impossíveis de se abandonar...
    Mais uma vez a sua gentileza me põe sem resposta.
    Abraço.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.