terça-feira, 15 de novembro de 2011

DA GRANDEZA ou PEQUENEZ




Comigo um livrinho, que dito assim no diminutivo pode parecer menor de fato.

Mas não.

O sufixo cabe-lhe porque, o presente, guardado na prateleira que reservo aos carinhos literários, tem 20 X 10 cm. O tamanho de um flyer (ah, o não abrasileirar das preferencias propagandistas; irresistíveis antigos namoros com a língua francesa, hoje amasiados à inglesa).

Sem dedicatória, do pequenino não retirarei o clipe com recado: “Entregar para Cecilia Ferreira – Do Dr. Lourival”.

A editora o classifica e denomina: “Coleção: Presente de amigo”. Seguiu à risca o recomendado pelos impressores. Mesmo assim acuso o Lorico – companheiro do palestrear com as letras; que despretensão: deixou a inestimável recordação na portaria da Academia Araçatubense de Letras.

Trago a “Carta ao pintor moço” de Mário de Andrade entre as releituras, como venho de velar o carinho que teve o médico confrade, e o deposito entre as dobras celulares em que a gratidão se aninha.

Mário de Andrade, não por acaso é senhor da cátedra que ocupo na Academia Araçatubense de Letras; e isso é resultado de história. História que vem dos tempos da 2º Grande Guerra Mundial. Dos tempos em que Getúlio Varas, vingando-se de Geraldo, um jovem escritor universitário, enviou-o a desmontar minas. O civil estudante paulistano de dezoito anos foi abrir, com o corpo, caminho entre as bombas para um batalhão formado por militares especializados.


Geraldo de Camargo Vidigal, então poeta nascente, que entre as Arcadas do Largo de São Francisco escrevia contra as agruras do regime ditatorial, foi saltar de paraquedas sobre lutas na Itália. Ele e dois outros civis escritores (um de Minas, outro do Rio de Janeiro) viram-se diante da imposição que a falsa grandeza faz flutuar nas pessoas diminutas.
Naquela época havia alguns desses homens, quase nada, que se julgam com direito a tudo. Época de Hitler, Mussolini, Getúlio. Homens que ocasionalmente ressurgem sob novas alcunhas e disfarces de probidade.


Como revanche de soldado civil, de volta da punição imposta pelo ditador, Geraldo disse: “... como se pudesse ser um castigo servir ao Brasil”

Mas onde a história de Geraldo cruza a de Mário?

Alcides da Costa Vidigal, advogado, administrador, fundador da COSIPA, pai desse estudante, vendo o filho ser enviado para morrer à frente do pelotão, recolheu todos os poemas deste e, premonitório na imortalização do filho, enviou-os a Mário de Andrade; ato que deu luz ao poeta que viria a integrar a Academia Paulista de Letras.

Mário escreveu muitas cartas aos amigos nomeando Geraldo como o “poeta soldado”. Mas os dois autores se encontraram somente nas Letras. Quando Geraldo voltou da guerra em corpo, Mário partia tendo deixado conhecida a alma do precursor da Geração de 45 pela publicação de Predestinação, livro primeiro de Geraldo, prefaciado pelo modernista maior.

Cheguei a escritora pela junção de acasos que, ao final, alguns dígitos construíram, e Odette Costa teimou. E há treze anos, por ser a primeira a ocupar a cadeira nº19 da AAL, foi-me oferecido escolher o imortal que a nomearia.

Por tudo, heroicamente, ou não, são desafetados os elos que a vida amarra; magias do bater arcos metálicos e os entrelaçar como se de matéria não fossem, parecendo e imitando a arte, e sendo apenas consequência do que foi acontecido sem pensar em consequências.


Um, entre os trechos, melhor gostado, do grande livreto ganhado, afirma: “Você está desnorteado em principal porque numa terra de incultura e de confusionismo social como a que vivemos, todos os intelectuais estão desnorteados.”

O que posso afirmar?: Desde então, caro Mário; desde então, amigo Lorico; de que nos vale tanta guerra, meu eternizado pai? Matam-nos a alma ainda e por aqui mesmo lutamos contra as minas, sempre terrenas.

CURIOSIDADES:

* Em três dias Geraldo comemorará seus noventa anos ao lado de sua amada esposa Elsie Vidigal; enquanto eu, por aqui farei trinta anos de casada recordando sempre o sorriso de meu pai ao me ver entrar no salão de festas vestida de noiva carregando um bolo com sessenta velas acesas em tempo de queimar-me com o fogo da alegria pelo seu aniversário.

* O carinho pelo acadêmico Lorico e seu presente/lembrança é eterno como muitas outras alegrias.

* Há muitas mais curiosidades a serem ditas, por esses escritores maravilhosos e suas penas encantadoras. Leia-os, e releia-os sempre, como a outros.

(Publicado na coluna Tantas Palavras(do núcleo da UBE - Araçatuba),pelo jornal Folha da Região,em 15/11/2011)

4 comentários:

  1. Como "mano véio, Lorico" ainda não se fez bloguecorrespondente colo aqui o carinho que ele me enviou por e-mail em retorno ao meu crônicoagradecimento:

    "Cicinha,
    Fulminatemente lindo.
    Um beijão do Mano Véio"

    Respondo: Bj, mano véio; a minha vaidade achou irresistível colar seus dígitos aqui!

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  2. Emociona tão magnânima narrativa. A minha admiração é ilimitada pela exuberância do seu potencial literário e dignidade humana, Cecília, aqui plenamente justificada inclusive pela vivência do seu saudoso e imortal genitor que nos exempla com seus atos de nobreza e heroísmo. "Tal pai, tal filha". Um terno abraço!

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  3. Grata, Antenor. Vc sempre pródigo no tratar meus dígitos.

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Que bom que quis comentar. Pode esperar que logo respondo. Obrigadinha.